quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Fantasmas

Fantasmas
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(deixem-me em paz...)

Mãos de Virgem Santíssima

De olhos fechados e mãos de Virgem Santíssima, a embalar-se ao som de um fado que enchia o quarto, estava uma senhora encantadora. Não tive coragem de interromper aquele momento e sem me dar conta fiquei ali a adorá-la por entre a porta entreaberta do quarto. Imagem serena e cativante.
- Bom dia! Posso?
- Pode. Bom dia. Quem é que vem aí?
Estendeu-me as mãos e os olhos ansiosos procuravam reconhecer-me os traços do rosto.
- Não sei quem é!
- Eu sou a Ana. Vim fazer-lhe um bocadinho de companhia. Quer?
- Oh, meu amor! Muito, muito obrigada. Ande, sente-se aqui ao pé de mim. Oh filha muito obrigada por isto!
Percebia-se ali uma tristeza sufocante, daquela que dá vontade de arrancar à mão cheia. Não foram precisos mais do que estes pequenos momentos para perceber que naquele quarto o conforto se chamava toque. Por instantes não falámos, éramos simplesmente duas pessoas que se apresentavam e conheciam no silêncio dos olhares atentos. Eu encontrei uma senhora de feições certas marcadas pelo tempo, olhos falantes e nariz desenhado a preceito. Os cabelos brancos e finos encontravam-se ao fundo da cabeça num penteado alinhado e os lábios vestiam-se da cor da blusa vermelha. Casaco de risquinhas condicentes com o tom das calças e umas mãos imaculadas que não largavam as minhas. Uma senhora linda! Do lado de lá não sei o que viu, nem como me viu mas ofereceu-me um sorriso terno e um aconchego entre quatro mãos que ainda não se tinham largado. Estavamos apresentadas.
Na sua voz sentia-se a pronúncia de uma terra no meio do oceano. Uma voz calmada, tranquilizadora, diria apaixonante. Tanta doçura numa só pessoa!

Sem precisar de dizer nada falou-me de si (...) Os olhos humedecidos cansaram-se de esconder as lágrimas e falaram saudade. Saudades da sua terra! Não disse nada e deixei que aquele momento secasse por si no meio do meu abraço.




(...)




Eu sabia, tinha de me despedir e aguardar que a semana passasse a voar para poder voltar ali.
- Para a semana volto e venho dar-lhe um beijinho.
Não disse nada, mas falou-me tudo com as mãos. (É tão bom!) E fui-me embora.
E quando estava a sair do quarto... “A Ana vai-se embora e só volta para a semana, que pena!”.


Agora era a minha vez de não conseguir suster as lágrimas.


quinta-feira, 24 de setembro de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Cacos




De olhos postos no chão sigo o azul de um vinílico feio e frio. Linhas tortas que me levam até ti. Prefiro não olhar muito à minha volta para não ter de me embrenhar numa realidade que me incomoda quando estou neste papel de visitante. Apodera-se de mim um autismo cerrado que resguarda a coragem que me aguentará ao teu lado, pulso firme. Não sei o que encontrarei depois daquela porta e até onde me vais levar. Histórias que vamos reviver ou, por sorte, ficarmos simplesmente no agora sem confusões. As linhas azuladas inclinam-se à esquerda e sei que estás perto. É tempo de erguer a cabeça... Lá estás tu... Olhos perdidos, irrequietos, exploradores do tempo e do espaço. Preso numa cama, ali estavas tu desprotegido de tudo o que foste um dia. Na verdadeira fragilidade para que o tempo te arrastou. Um corpo desarrumado que já não responde autonomamente ao que a cabeça ordena. No cabelo grisalho despenteado e na barba por fazer, foi-se o aprumo de outros tempos. Beijo-te a testa mas pareces apático, ao mesmo tempo procuro-te a mão. Trémula, fria, onde a pele fina cobre derrames de veias que perderam a força.
Estás noutro tempo e noutro lugar. Deixo-me levar e reparo que no meio de muita desordem voltas sempre aquilo que foste outrora. O trabalho, as responsabilidades, a casa, as pessoas, os passeios, o ‘bon vivant’... Num momento de lucidez pedes-me que te solte as mãos (gostava tanto que percebesses porque temos de fazê-lo) e negoceio contigo que só poderá ser assim enquanto estiver ao teu lado, acenas-me um sim desesperado e só aí percebi a alegria em poderes juntá-las, em sentires-te um todo, um corpo uno e vagamente são. Depressa procuras com que as entreter, mexe-las em movimentos lentos - julgo que na tentativa de contrariares a inércia que se apoderou de ti - e depois cruza-las e deixas-te ficar assim, quieto, espectador daquilo que te rodeia. Pareces de novo uma criança, mas agora sou eu, nós, que tratamos de ti. Só gostava de ter a certeza que guardas estes pequenos gestos com o mesmo amor que tenho à tua forma peculiar de gostares de mim. Não eras de carinhos nem de mimos, brincavamos de uma maneira diferente. Eras mandão, exigente, figura de respeito mas hoje percebo a falta que me fazes. Daqueles olhos abertos e fixos e a cara cerrada que me punham em sentido e daquela gargalhada que te contorcia o corpo e me contagiava. Saudades... Saudades que me fazem reviver em câmara lenta o que ficou para trás e que sem me aperceber fui guardando com tanta ternura. Hoje és outro... alguns dizem que preservas a teimosia, eu sinceramente acho que é a perseverança de levantar um corpo que para ti ainda não morreu. Às vezes ainda te vislumbro como noutros tempos nos momentos de lucidez, mas depois foges-me... como agora e voltas a precisar que te aprisione, que te ajude a comer, a beber, a lembrar e a arrumar a cabeça. Não sei o que sentes quando te perdes mas estarei ao teu lado para te guiar.
E quando fecho a porta do quarto e me afasto dali, o corpo cede ao cansaço e à resistência a que me obriguei. Caio num pranto desassossegado e irracional... não perguntes porquê avô sff!



llll