domingo, 6 de dezembro de 2009

Sinatra


Lá fora o frio cobre a cidade. Aqui dentro sou só eu e a lembrança que ficou de ti. A caneca com chocolate quente aquece-me as mãos e a manta pelas pernas traz-me o conforto desejado nestes dias de Inverno. Lá para dentro o Sinatra canta-me “wake up to reality...”, eu encolho-lhe os ombros e finjo que não o oiço. Gostava de saber porque tiveste de partir assim. Tão de repente sem termos tempo de nos despedirmos “até um dia”. Saíste apressada, a franja a cobrir-te os olhos pequenos de sono e a boca pingada de leite fresco, aquele que bebias todas as manhãs com a torrada mergulhada em manteiga. “Derretida porque eu não gosto dos bocados inteiros na boca, gosto só do molhinho”. Sabia-te cada mania e cada gesto de cor. Podia até adivinhar quando pestanejavas ou soltavas um suspiro de cansaço. Com o passar dos anos aprendemos a conhecer-nos em cada pormenor. E aquele era só mais um dia igual a todos os outros que viviamos descansadamente. “Não precisamos de ter pressa do amanhã, fomos feitos um para o outro para toda a vida, não é meu amor?”, esfregavas o teu nariz no meu e rasgavas um sorriso inigualável. Gostava de ver as tuas rugas de expressão no nariz franzido e aquelas pregas desenhadas a preceito ao canto da boca.
Hoje era dia de te acordar com um bolo de setenta e duas primaveras. O bolo está ali, eu e o Sinatra cantámos-te os parabéns mas as velas ainda ardem. Falta o teu sopro. Faltas tu!
Os dias foram passando mas não fui capaz de aceitar a tua ausência. Continua tudo na mesma. O teu lugar à mesa, a tua escova de dentes, a tua almofada na cama, a marca do teu lugar no sofá. Dizem-me que isto não é vida para ninguém e que tenho de seguir em frente. Que não é vida isso sei eu, deixou de o ser há quarenta e seis anos. “O tempo cura tudo”, que se desengane quem nisto acredita. O tempo traz mudança mas só ensina a ver as coisas de outra maneira. O nosso jardim perdeu as flores mais bonitas, o chão da casa começou a ranger, as portas dos móveis da cozinha empenaram, a torneira da casa de banho está sempre a pingar e os cortinados estão velhos e gastos. O meu corpo curvou-se, os passos tornaram-se mais pequenos e baralhados, o cabelo perdeu-se por aí e os olhos foram-se infelicitando. Mas o amor, esse, é o mesmo. Junta-lhe a saudade, a amargura e a tristeza de um coração que bate sozinho. Mas o amor é mesmo!
Fazes-me falta e tu sabes mas como diz o Sinatra “tenho-te debaixo da minha pele”!

1 comentário:

MS disse...

Eu gosto muito do Sinatra. E do teu texto. MUito bonito como se quer e precisa =)

Repito,
Muito bonito!

beijinho**