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Sabes, meu filho, eu também tenho medo! Tenho medo das pessoas crescidas que são tontas e más. Às vezes são quase como os monstros que tu imaginas à noite no teu quarto. Tenho medo das palavras. Porque essas sim, magoam. É como quando tu caiste da tua bicicleta e te magoaste no joelho. Lembras-te quando choraste porque doía muito lá dentro? Pois, as palavras às vezes também doem muito lá dentro e deixam feridas para sempre, como a da tua queda da bicicleta. Tenho medo de perder aqueles que gosto e tenho medo que aqueles que gostam de mim me percam. Tive tanto medo quando vi o papá perder-se por entre os corredores frios e sujos daquele hospital. Os olhos dele pediam-me que não o deixasse fazer aquela viagem para sempre. E arrepiou-me - sabes o que é um arrepio, meu filho?, gelou-me o coração ver o papá dar-te aquele abraço cheio de sentimento, o último, o derradeiro e pedir-te para que tomasses conta de mim e do vosso ursinho. Tive medo. Medo de perder o coração do teu pai, o único amor da minha vida. Medo que tu o esquecesses.
Sabes, meu filho, as mães também têm medo. E a coragem que elas têm, como as dos teus hérois dos desenhos animados, vêm dos filhos. Os heróis são vocês. Os nossos ursinhos que nos protegem o coração, nos curam as feridas e nos dão força. Muita força. E sabes qual é o meu maior medo? Que um dia te esqueças de me dar essa força. Que deixes de querer os meus abraços quentinhos e abandones o teu ursinho. Como hoje, que estou presa neste corpo onde uma veia qualquer se lembrou de rebentar e deixar uma ferida para sempre, como a da tua queda da bicicleta. Não me posso mexer. Sou prisioneira no meu próprio corpo que me atraiçoou. Sinto e penso para dentro, para mim. O mundo não me pode ouvir. Hoje sou eu que preciso de abraços quentinhos e de um ursinho amigo que me dê forças para enfrentar os meus medos. Medos que se tornaram vivos e fazem parte do meu dia-a-dia. Da minha vida nesta cama, neste quarto escuro onde às vezes os monstros maus se tornam meus amigos. Talvez o teu ursinho, esquecido por ti há tantos anos naquela cómoda, me oiça o que vai na alma...