terça-feira, 17 de abril de 2007

Eu também tenho medo

Mãe, tenho medo do escuro! Daqueles monstros grandes e feios que estão à noite no meu quarto e que se escodem debaixo da minha cama. No outro dia vi passar um no corredor, ia a caminho do teu quarto! Mamã, eu tenho medo que eles nos façam mal! Se tu quiseres eu empresto-te o meu ursinho. Aquele que o pai me deu no dia em que foi fazer uma viagem para sempre, não foi mãe? O ursinho ajuda-me a ficar sem medo, porque o papá disse que ele me ia proteger sempre e dar-me muita força. E eu quero ter muita muita como aquele herói dos desenhos animados que dão ao fim de semana muito de manhã, sabes mamã? Assim, eu vou poder ser um homem muito corajoso e lutar com os monstros maus! Mas agora como eu sou pequenino és tu que me proteges. Porque eu sei que as mães são muito fortes e que não têm medo! Por isso é que eu gosto quando tu me dás abracinhos quentinhos e me deixas dormir contigo... eu assim fico sem medo, porque tu és mesmo corajosa!
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Sabes, meu filho, eu também tenho medo! Tenho medo das pessoas crescidas que são tontas e más. Às vezes são quase como os monstros que tu imaginas à noite no teu quarto. Tenho medo das palavras. Porque essas sim, magoam. É como quando tu caiste da tua bicicleta e te magoaste no joelho. Lembras-te quando choraste porque doía muito lá dentro? Pois, as palavras às vezes também doem muito lá dentro e deixam feridas para sempre, como a da tua queda da bicicleta. Tenho medo de perder aqueles que gosto e tenho medo que aqueles que gostam de mim me percam. Tive tanto medo quando vi o papá perder-se por entre os corredores frios e sujos daquele hospital. Os olhos dele pediam-me que não o deixasse fazer aquela viagem para sempre. E arrepiou-me - sabes o que é um arrepio, meu filho?, gelou-me o coração ver o papá dar-te aquele abraço cheio de sentimento, o último, o derradeiro e pedir-te para que tomasses conta de mim e do vosso ursinho. Tive medo. Medo de perder o coração do teu pai, o único amor da minha vida. Medo que tu o esquecesses.
Sabes, meu filho, as mães também têm medo. E a coragem que elas têm, como as dos teus hérois dos desenhos animados, vêm dos filhos. Os heróis são vocês. Os nossos ursinhos que nos protegem o coração, nos curam as feridas e nos dão força. Muita força. E sabes qual é o meu maior medo? Que um dia te esqueças de me dar essa força. Que deixes de querer os meus abraços quentinhos e abandones o teu ursinho. Como hoje, que estou presa neste corpo onde uma veia qualquer se lembrou de rebentar e deixar uma ferida para sempre, como a da tua queda da bicicleta. Não me posso mexer. Sou prisioneira no meu próprio corpo que me atraiçoou. Sinto e penso para dentro, para mim. O mundo não me pode ouvir. Hoje sou eu que preciso de abraços quentinhos e de um ursinho amigo que me dê forças para enfrentar os meus medos. Medos que se tornaram vivos e fazem parte do meu dia-a-dia. Da minha vida nesta cama, neste quarto escuro onde às vezes os monstros maus se tornam meus amigos. Talvez o teu ursinho, esquecido por ti há tantos anos naquela cómoda, me oiça o que vai na alma...

2 comentários:

Monica disse...

Bonito..muito bonito!! E com muitas verdades, pelo meio. Mesmo bem escrito. :)

O poema também. Porque há mesmo palavras que nos beijam. E não é nada mau não. :)

beijinho**
Monika

Ana disse...

Aiii...

Esta menina dá cabo de mim!
Perfeito!
Muito bem escrito e com aquela meiguice tão tua! :)

Gosto de ti pah! Tanto! =)

Beijo*