sexta-feira, 19 de junho de 2009

Voltar a ser pequenina

Olho para trás e quero voltar a ser pequenina. Era tudo tão mais fácil, pintado de uma magia etérea. Acordava sempre com a mesma alegria genuína. Os olhos e o meu sorriso brilhavam sem se cansarem. Era amiga do Sol e do mar, brincava ao esconde-esconde com o arco-íris e adormecia com a Lua. Encantava-me com o brilhozinho dos pirilampos à noite no jardim. E acreditava que se podia tocar nas nuvens, que eram fofinhas e se podia saltar em cima delas. Gostava de me sentar e imaginar o que havia para lá do azul do céu e quando o dizia à mãe, ela respondia com a maior ternura “não sei, mas quem sabe se um dia não vais ser tu a descobrir! Lá pode haver tudo o que tu quiseres imaginar!” e só uma resposta destas dava-me uma infinidade de horas de imaginação. Sentia-me grandiosa e cheia de poderes. Era bom inventar as minhas histórias, viver vidas de crescidos por entre saltos altos que me caiam dos pés e batons que me faziam sentir uma senhora. Ensinava as letras e os números aos meus amigos imaginários porque eu era a melhor professora e muito dedicadamente leccionava aulas ao meu irmão mais pequeno, aluno dedicado (ainda hoje guardo os trabalhos dessa escola!). Embalava-me nas histórias das princesas e dos príncipes que a Disney me oferecia e baixinho desejava ter vestidos compridos e rodados e ser tão bonita como elas, de cabelos compridos e pestanas grandes. Gostava de fazer casinhas para as barbies, inventar vidas iguais à que vivia (fazia-me confusão as barbies da minha prima voarem e terem poderes mágicos, quando para mim elas eram pessoas como nós). Eram tempos em que as minhas preocupações andavam à volta dos sapatinhos da barbie que se perdiam, das minhas casinhas que se desmanchavam ou dos vestidos que se rompiam. Onde os únicos dói-dói eram os dos joelhos esfolados pelo chão que se curavam ao melhor beijinho da mamã. Onde os dias pareciam pequeninos para tanta vontade de correr e brincar e à noite a cama era a melhor amiga para me perder entre sonhos inacabáveis. Rebolava-me na relva, apanhava pedrinhas e mexia na terra sem preconceitos. Gostava de me molhar na mangueira e de ouvir histórias de quando os crescidos eram como eu, pequeninos (eles não tinham brinquedos, mas falavam sempre desses tempos com um sorriso!). O avô dizia que se sentava no cimo do monte a sonhar com uma casa ali. Ali onde eu estava a crescer e eu achava-o um herói porque também ele tinha uma casinha como sempre quis. Às vezes íamos apanhar pêras e maçãs e enchíamos baldes que depois nas cestas de verga da cozinha perfumavam a casa. Aprendi como nascem os tomates e o feijão verde e gostava quando a banda ia tocar lá a casa. O meu avô também tocou na banda e foi ele que me ensinou a clave de Sol. Mas nunca consegui dizer as notas musicais de trás para a frente como ele.
Olho para trás e quero voltar a ser pequenina. Como quando vi uma vaca pela primeira vez. Era tão grande e o avô (o outro avô que conheci por pouco tempo) deixou-me dar-lhe uma maçã vermelha. Eu não sabia que as vacas comiam maçãs?! E depois explicou-me o que era ruminar e eu achei estranho. Foi lá na terra desses avós e do pai também que descobri que há pessoas que não têm casa de banho nem água nos canos. Lava-se a loiça com água de um tanque, uma água muito fresquinha e “mais boa”. E fiquei com a tia a lavar a loiça num alguidar enquanto se passeava ao pé de nós uma lagartixa amiga da tia e eu não tive medo. Nessa casa ficámos até tarde na rua a falar. Rimos, contámos anedotas, cantámos e deixámos que as estrelas chegassem. Lá não há casas grandes, as casas são baixinhas e pintadas de branco com uma risca azul, têm banquinhos de pedra na rua e não se fecha a porta a chave. Não há barulho, só o silêncio de um Alentejo acolhedor e de uma natureza que nos dá a mão delicadamente. Foi por esses lados também que tomei banho num alguidar no meio de uma cozinha grande quase do tamanho da minha casa de Lisboa e que giro que foi. A tia (outra tia) e prima diziam que eram pobrezinhas e pediam desculpa, mas se ser pobrezinho é isto então é bem divertido. Na casa do pai descobri por entre o pó os brinquedos dele e os livros dos “Cinco” e gostava de beber o meu leite na caneca que ele usava quando era pequenino. A terra dele não é nada igual à minha, tem cidade e campo. Mas é uma cidade calma onde todos são amigos e se conhecem.
Também gostava de brincar aos restaurantes em Castelo Branco, a tia fazia muitos bolos e doces bons. Fazia (e faz) sempre o que gostamos e tem uma maneira muito dela de falar. Tinha um jardim grande e um sótão. E lá a casa era diferente, um diferente diferente. Não sei explicar, talvez o cheiro, a decoração ou as histórias.
É por isto que olho para trás e quero voltar a ser pequenina. Pelos sonhos e pelas alegrias. Pelos doces momentos que me encheram os dias e nunca me fizeram conhecer o sabor das lágrimas. Pelas pessoas boas (estas e outras!) que me abraçaram e me ampararam nesta caminhada até hoje e me ajudaram a tornar no que sou.
Sonhos… sonhos que ainda hoje me povoam e me continuam criança, pequenina.
llll

Sabes? Quero olhar para a frente e voltar a ser a tua pequenina…

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